Veganismo Abolicionista x Veganismo Pragmático

Os animais vem sendo explorados pelos sapiens desde que se tem relatos. A partir disto é majoritário o número de pessoas e sociedades que acredita que explorá-los é algo normal. Apesar de temos exemplos históricos de pessoas que se recusavam maltratar ou comer animais, só nos últimos foram construídos movimentos que colocam seus interesses como relevantes. A partir dos anos 70 diversos filósofos se proporam a escrever sobre o movimento de libertação animal e cada vez mais tem sido produzido conteúdo sobre isto contestando a normatividade.

Para melhor entendimento do que este texto se propõe precisamos definir as correntes de pensamento, tanto as que afirmam que animais são inferiores, podem ser tratados como objetos e ser meios para fins humanos, quanto aquelas que discordam disso. Pensando numa escala – em trade-off – de um lado temos um cenário de exploração animal total do outro, sustentado pela visão do antropocentrismo moral radical*, do outro temos a libertação animal (das mãos humanas), afirmada pelo veganismo. Estas duas correntes opostas no que diz respeito ao tratamento humano diante dos animais se dividem em outras correntes que podem ser representadas por duas linhas principais: Dentro do antropocentrismo temos o antropocentrismo radical e o chamado bem-estarismo e dentro do veganismo temos a corrente abolicionista e a corrente pragmática.

1. O Antropocentrismo Moral sustenta que os humanos podem explorar animais. Esta visão em duas correntes nas quais uma se divide na exploração total dos animais e outra visa reduzir seu sofrimento:

1.1 O Antropocentrismo Radical (termo definido pelo autor) aceita o uso humano dos animais da forma que quiserem, pois os interesses dos animais são irrelevantes em detrimento dos interesses humanos;

1.2 O Bem-Estarismo afirma que é aceitável usar animais não-humanos contanto que eles sejam tratados humanitariamente, isto é, que se evite seu sofrimento desnecessário. Tem como foco a regulamentação da exploração animal;

2. O Veganismo sustenta que os animais não podem ser explorados pelos humanos, que eles devem ter seus interesses (e direitos) fundamentais respeitados, afirmando que não temos nenhuma justificativa moral para usar animais não-humanos para os nossos propósitos. É sinônimo de Direitos Animais (fundamentais) e se preocupa com tem como foco a abolição desse uso, em vez da sua regulamentação.

2.1 O Veganismo Abolicionista sustenta que nosso uso de animais não é moralmente justificado e, portanto, deve ser abolido, não podendo ser regulamentado de forma alguma. Abolicionistas não acreditam que apoiar práticas gradativas fará com que seja atingida a libertação animal, fazer discursos desta forma acabam incentivando pessoas a prezarem por mudanças pequenas e se acomodarem. Abolicionistas não apoiam, enquanto método, campanhas de regulamentação da exploração animal, pois afirmam que esta é uma contradição, já que direitos não funcionam desta forma.

2.2 O Veganismo Pragmático defende a regulamentação a curto-prazo enquanto não se atinge o fim último da libertação animal ou, pelo menos, uma redução significativa da exploração animal no futuro. Acredita que gradualmente, por meio de medidas bem-estaristas – tanto para convencer pessoas, quanto em relação à empresas – pode-se alcançar a libertação animal, por isto é reformista. Pragmáticos fazem o cálculo utilitarista onde pouca melhora é melhor que nenhuma.

Obs.: A classificação aqui feita é a seguinte: vegano é todo aquele indivíduo que abole da sua vida o uso de animais, na medida do que é praticável para si, o sufixo então diz respeito a vertente a partir do método que se acredita ser melhor para alcance de uma sociedade vegana. Se veganismo = ideal de libertação animal / abolição da exploração animal, logo:

  • veganismo (ideal) abolicionista (método)
  • veganismo (ideal) pragmático (método)

Pelo veganismo ser sinônimo de abolição da exploração e de libertação animal, não é necessário dizer que o veganismo pragmático é abolicionista, seria muito extenso dizer veganismo abolicionista pragmático ou veganismo abolicionista idealista. Por uma questão histórica e de ter sido fundada primeiro, e de aplicação mais radical, a corrente descrita por Gary L. Francione – junto à outros filósofos – leva o nome de abolicionista.

Os veganos abolicionistas chamam os veganos pragmáticos de neo-bem-estaristas, enquanto os pragmáticos se chamam de veganos abolicionistas pragmáticos e rotulam os abolicionistas de veganos radicais ou de idealistas. As definições dependem do ponto de vista de cada um e por isto aqui ficam definidas apenas com o sufixo, sem considerar a posição da forma que cada vegano se rotula e rotula o outro pejorativamente.

Abaixo há três escalas onde de um lado temos um sistema opressivo e do outro aplica-se a justiça de forma integral e não arbitrária:

 Relativismo moral – Objetivismo moral / Ética
Antropocentrismo Radical Bem-EstarismoVeganismo
Exploração total Exploração com redução de sofrimento Libertação animal / humana

A divisão dentro do veganismo

Ao contrário de diversas correntes de pensamento que acreditam que ajudam os animais (bem-estarismo, vegetarianismo, reducetarianismo e flexitarianismo) mas não fazem de forma integral, o veganismo é o movimento que tem como ideal a libertação animal diante dos humanos e que exige individualmente que não se explore animais. Mas não diferente de outros movimentos sociais há divergências dentro do veganismo.

Dentro de toda luta por libertação há discordância sobre os melhores métodos para alcançar um ideal: dentro do movimento negro, do movimento lgbt, do movimento feminista e etc. Vejamos melhor o exemplo do feminismo, neste movimento há diversas correntes que discordam em diversos pontos, as mais conhecidas são a radical, a classista, a liberal, a interseccional e a negra, mas todas tem o mesmo ideal que é a igualdade entre homens e mulheres (a medida em que são iguais). Com o veganismo não foi diferente, por ter crescido bastante ele deixou de ser uma corrente uníssona e ganhou novas visões.

Renegociação ou intransigência? Pragmatismo ou idealismo?

De forma popular, pragmatismo é a visão que a prática e suas consequências têm mais valor que ideias, isto é, se uma ideia é impraticável ela não têm valor. O contrário de um pragmático é um idealista. Os idealistas projetam realidades ideais. Tanto pragmáticos quanto idealistas podem ter em comum os mesmos ideais, o que os diferencia então é essencialmente a forma como eles atuam para tentar mudar a realidade, sendo os idealistas inflexíveis quanto a moral. Enquanto idealistas se esforçam ao máximo para praticar sua filosofia ideal, mesmo em contextos difíceis para ela, os pragmáticos preferem conquistar seus objetivos de forma gradual.

Falando em política, pragmático é aquele que vê se uma ideia é viável politicamente. Por exemplo, um comunista é um idealista, enquanto um social-democrata é um pragmático. De forma análoga um anarcocapitalista é um idealista, enquanto um liberal é um pragmático. Ambos podem almejar um cenário onde as pessoas têm liberdade e convivem em harmonia, mas enquanto os grupos idealistas querem uma revolução drástica e substituir o sistema econômico completamente, os pragmáticos procuram trabalhar dentro do sistema econômico que vivemos, fazendo acordos e conciliações para transformar este sistema gradualmente.

No movimento que almeja a Libertação Animal não é diferente. Existem veganos pragmáticos e veganos idealistas. O mundo ideal de ambos sugere um lugar onde as pessoas entendam que explorar animais é algo ruim e errado, mas seus discursos, métodos e práticas para alcançar isso são diferentes. Enquanto os pragmáticos buscam pequenas mudanças para os animais, pois admitem que as pessoas que ainda exploram animais dificilmente mudarão em curto prazo, os veganos idealistas não aceitam de forma alguma qualquer tipo de mudança gradual nas pessoas e nas estruturas sociais.

Por exemplo, alguns pragmáticos afirmam que quando uma grande empresa que explorava galinhas em gaiolas passa a explorá-las soltas isso é menos pior para as galinhas, pois – num cálculo utilitarista – gera nelas menos sofrimento, então estamos mais perto de deixar a exploração animal que antes. Na prática isto quer dizer que devemos incentivar mais empresas a deixar de explorar galinhas em gaiolas, afinal é o que é praticável em nossa realidade estruturalmente especista. Essa observação não diz que não devemos mudar e sim relatam que podemos mudar as coisas mas com calma, pois as engrenagens do sistema são lentas, por isso devemos defender reformas. Já os idealistas, como teóricos do direito, dizem que se um animal têm direito de não ser explorado não faz qualquer sentido um vegano pensar em redução do sofrimento, é preciso se contrapor à qualquer tipo de exploração, o que implica que as empresas provavelmente não iriam atender à qualquer mudança. É preferível enfrentá-las e não observar mudanças que abrir mão do idealismo, reformas estão, nesta visão, aumentando o tempo de exploração.

Como, por qual via e se chegaremos ao ideal de libertação animal é mera especulação hipotética. Nós não podemos responder isso definitivamente pois só a realidade dá respostas efetivas, já os historiadores do futuro poderão afirmar fatos históricos e dizer se concretizamos ou não este ideal. Por isso, até lá somos apenas comentaristas que tentam mudar um pouco a realidade à maneira que pensamos. Enquanto comentaristas tentando profetizar o futuro e dando sugestões práticas para moldá-lo da melhor maneira possível, tanto o pragmatismo quanto o idealismo são fortes concorrentes.

Veganismo abolicionista x Veganismo pragmático: um objetivo em comum, duas propostas distintas para alcançar o mesmo ideal

Há fundamentalmente dois grupos principais de veganos que sustentam o mesmo ideal –  a libertação animal como fim – mas que discordam entre si sobre a prática política e democrática – o meio – mais efetiva para alcançar isso: os abolicionistas e os pragmáticos. Apesar de ambos saberem que o veganismo deve partir da perspectiva dos interesses animais eles discordam quanto a como se deve fazer progresso na causa animal.

Os veganos abolicionistas acreditam que devemos conscientizar as pessoas e lutar sempre contra indústrias de exploração animal, não realizando pactos com elas. Já os veganos pragmáticos acreditam que precisamos conquistar de pouco em pouco – já que a transformação social é lenta – melhoras aos animais explorados dentro das indústrias sem deixar de conscientizar as pessoas sobre o veganismo.

O principal representante do veganismo abolicionista é o filósofo do Direito e professor universitário Gary L. Francione proponente e sistematizador desta corrente. Suas ideias não aceitam pactos para uma exploração animal, nem diminuição dela, é plenamente pela abolição visto que os direitos dos animais são inalienáveis, assim como são os direitos dos humanos. Em contraponto há filósofos, como David Sztybel, que adotam uma visão pragmática do veganismo, onde se diz é melhor que aceitemos propostas bem-estaristas que nenhuma proposta.

Obs.: Ambas as abordagens podem atingir as pessoas e fazê-las virarem veganas

A ONG Mercy for Animals, que recentemente chegou ao Brasil, adota uma visão pragmática do veganismo e argumenta nesta linha. Em um texto usado para defesa dos ações e pactos que tem feito com indústrias chamado Reduzindo o sofrimento e promovendo melhorias imediatas para os animais é afirmado o seguinte:

“[…] queremos reduzir o máximo de sofrimento para o maior número de animais possível enquanto ainda são explorados pela indústria. Mas se tudo que fizéssemos fosse apenas pedir às pessoas que mudassem suas dietas, estaríamos perdendo uma imensa oportunidade de, agindo frente a grandes empresas e governos, reduzir o sofrimento de centenas de milhões de animais e conseguir avanços concretos rumo a um futuro livre de exploração animal. […] Usaremos todos os nossos recursos para reduzir ao máximo a crueldade sofrida por dezenas de bilhões de animais ano após ano, ao mesmo tempo em que continuaremos trabalhando rumo ao nosso mundo ideal, onde nenhum animal é explorado ou morto para alimentação – ou para qualquer outro fim. Então, além de estimular milhões de pessoas a considerarem o veganismo, nós também encorajamos a mudança por parte de grandes empresas e governos.”

Diante desta visão acredita-se que exigir aos poucos o bem-estar dos animais é um caminho para alcançarmos o veganismo. No mesmo texto se conclui:

“Seria fácil simplesmente não fazer nada para mudar empresas e governos. Também seria muito fácil manter uma postura filosófica perfeita e purista pedindo por mudanças que nós sabemos que nunca serão feitas hoje e fingir (como muitos ativistas de internet fazem) que, se falharmos um número suficiente de vezes com os nossos pedidos, a própria população (de alguma forma não especificada) trará a libertação animal em resposta à inércia das indústrias. Nada disso traz qualquer mudança efetiva e real para os animais explorados para consumo hoje. Tal postura não é somente incapaz de reduzir o sofrimento dos animais, mas não basta para avançar efetivamente em prol de seus interesses.”

Carlos Naconecy, filósofo brasileiro e membro da SVB, diz em seu texto Bem-estar animal ou libertação animal? Uma anáilse crítica da argumentação antibem-estarista de Gary Francione:

“Abolicionistas fundamentalistas e abolicionistas pragmáticos desejam o que é melhor para os animais. Mas o que é melhor para eles? Há dois modos de compreender isso: o melhor concebível ou imaginável (no plano do ideal) e o melhor realmente possível (no plano do factível ou exeqüível). O que chamamos de melhor tem, portanto, duas dimensões. A ideia abstrata do melhor para um indivíduo envolve uma atemporalidade, ou seja, não é dependente do seu contexto histórico e social. Mas a realização concreta daquilo que é melhor depende, sim, do que é caso num determinado momento histórico especifico. O correto ou o justo nada mais é do que uma baliza, um marco, um princípio regulador último para as várias configurações fácticas da nossa sociedade. O abolicionismo pragmático adota a concepção de justiça abolicionista como ideal regulador. Entretanto, nossa sociedade, real e concreta, ainda não permite a implantação do fim moral da abolição da escravidão animal. De fato, seria ingênuo pensar que o homem deixará de interferir na vida dos animais a curto ou médio prazo. Isso, todavia, não nos deve levar ao ceticismo: a tensão entre o melhor possível aqui e agora (o melhor real) e, do outro lado, o justo e correto (o melhor ideal) é produtiva. Essa dialética gera tensão e diálogo constantes e, desse modo, propicia o progresso moral da nossa sociedade.

[…] Para um abolicionista pragmático, em suma, a abolição é uma meta, um ideal a ser alcançado e um critério para criticar o afastamento de uma determinada sociedade real em relação a uma sociedade justa com os animais. A abolição, neste sentido de ideia reguladora, não precisa ser entendida como uma ideia utópica. Pelo contrário, se espera atingir esse ideal o quanto antes possível. Mas se não for possível hoje, amanhã, na semana seguinte ou no mês que vem, então deixemos as gaiolas maiores, mais limpas e mais confortáveis agora. Preferir deixar as gaiolas mais sujas e menores é negociar com a condição miserável de vida dos animais em cativeiro, e isso é eticamente inadmissível.

A partir do que foi dito, Sztybel sugere o que seria o princípio moral do Abolicionismo Pragmático: “Devemos produzir o que é melhor para os seres sencientes em todos os momentos”. Podemos traduzir essa regra por “Devemos fazer o melhor para todos os animais (animais como grupo escravizado) e para cada um deles (como criatura escravizada) tanto a curto-prazo quanto a longo-prazo”.

A partir de 2010, será ilegal o uso de baterias de gaiolas para galinhas em toda a União Européia. Um abolicionista fundamentalista diria que essa lei não fornece liberdade às aves, e elas têm direito a isso. Um abolicionista pragmático diria que, se o melhor para as galinhas agora são gaiolas maiores, então é melhor para as próprias galinhas que se acabe com as gaiolas agora. O melhor para elas não é uma gaiola apertada.”

Em contraponto a visão destas visões, para pensarmos a corrente abolicionista, não devemos nos contentar ou aplaudir o processo de mudança gradual e histórico, precisamos nos opor integralmente contra a violação dos Direitos Animais assim como não podemos admitir a violação da liberdade individual dos humanos – não podemos fazer humanos sofrerem um pouco pelo nosso prazer, por que fazer isso aos animais?. Os veganos abolicionistas não discordam do fato que gaiolas maiores são menos piores que gaiolas pequenas, isso é um fato, eles simplesmente tem visão irredutível onde não se admitem gaiolas, pois este é o interesse dos animais, portanto, não devem ser feitos pactos com indústrias de exploração animal com o risco de estagná-las. É afirmado que o bem-estarismo já acontece há muitos anos e nada tem resolvido, visto que o número de animais explorados tem aumentado e a alienação do consumo tem banalizado eles enquanto indivíduos. Da mesma forma eles não pensam que o vegetarianismo trás solução, acreditando que as pessoas tendem a se acomodar nesta situação por achar que estão fazendo o suficiente e acabam não ajudando os animais de forma efetiva.”

Sergio Greif, biólogo e ativista da corrente abolicionista argumenta em seu texto Uma questão de ‘Tudo ou Nada’:

“Aqueles que lutam pela ideia de “bem-estar” animal defendem que, não sendo possível promover os direitos dos animais a curto prazo, deve-se promover sua exploração de maneira mais “compassiva”, “menos ruim”. Esta ideia, obviamente, contrapõe-se à ideia fundamental de que os animais não devem ser explorados e por isso ela deve ser rejeitada pelas pessoas que acreditam nos direitos dos animais.

Simplesmente não há porque comemorar quando o Centro de Controle de Zoonoses passa a “sacrificar” animais abandonados por um método menos doloroso, ou quando se aprova uma lei pelo “abate humanitário” de bovinos, porque essas não são conquistas em favor dos direitos dos animais. Essa estratégia apenas reafirma a ideia de que o que fazemos, que é anti-ético, pode ser resolvido simplesmente alterando a técnica. Essa ideia é especialmente perigosa quando vemos que muitos “protetores de animais” apoiam tais mudanças como se fossem “vitórias pela causa”. Isso é simplesmente a antítese de qualquer reconhecimento de que animais possuem direitos inalienáveis.

O movimento abolicionista jamais defendeu que seja possível tornar as pessoas veganas da noite para o dia, e muito menos o modo de ação desse movimento fundamenta-se na política do “tudo ou nada”. O que esse movimento defende, sim, é que nem tudo o que se faz em nome dos animais é em seu benefício e que, muitas vezes, o que fazemos nos levam mais para longe de nossos objetivos. Toda ação merece uma reflexão: Que benefícios tal ação pode trazer para a causa? Vale a pena despender energia e atenção do público para promover objetivos que não sejam nossos objetivos finais? Vale a pena uma entidade que se empenha em associar seu próprio nome com a defesa dos animais ou com um estilo de vida compatível com seus direitos promover algo que esteja em desacordo com esses objetivos? Há possibilidade dessa ação contribuir de alguma forma com objetivos oposto à causa?

Em verdade, o que aqueles que lutam pelos direitos dos animais defendem é que uma informação que leve as pessoas a concluir algo diferente daquilo que queremos que elas concluam é pior do que informação nenhuma. E uma ação que resulte em conseqüências que nos levem em direção diferente àquela para a qual queremos ir e pior do que ação nenhuma. Isso não é “tudo ou nada”, porque é possível fornecer às pessoas informações parciais mas que lhes indiquem o caminho a seguir e é possível se empenhar em pequenas ações que nos levem na direção correta. É possível se empenhar em uma campanha por um objetivo pontual mas que não esteja em desacordo com os direitos dos animais. Isso é significativamente diferente de adotar um objetivo que seja contrário aos direitos dos animais, ainda que aparentemente esteja ao seu favor.”

E conclui:

“Não há como acreditar em uma entidade que se diga protetora de animais quando sua defesa é que animais de laboratório podem ser usados desde que o cientista se comprometa com seu “bem-estar”, utilizando técnicas mais refinadas e em um número reduzido de animais. O que dizer de uma entidade que se empenha em participar de “comitês de ética na pesquisa”, como se a utilização de animais saudáveis em experimentos científicos e demonstrações didáticas, de alguma forma pudesse ser justificável pela ética? 

O que dizer de uma entidade que, ao invés de pregar pelo vegetarianismo estrito, se empenha em promover um sistema de exploração animal “menos ruim”? Galinhas e vacas criadas soltas, sem hormônios, para a produção de carne, leite e ovos? As entidades alinhadas com a idéia da promoção do “bem-estar” animal defendem que esse sistema de criação é positivo, porque os animais não “sofrem excessivamente”. Referem-se aos modernos métodos de criação mecanizada em termos negativos e fazem referências à época áurea em que os animais eram criados soltos na fazenda, sendo “respeitados pelos fazendeiros”.

Ocorre que, passando essa mensagem ao público, o que se entende é que o abate de animais, sua exploração propriamente dita, não é um erro. Que o erro está na forma como isso é feito. Fala-se em “abate humanitário”, um termo totalmente fora de propósito, porque abater um animal saudável jamais será um ato de compaixão, um favor que se faz para ele. Da mesma forma, fala-se em leite de vacas sem hormônios, em queijo sem coalho animal, em ovos de galinhas criadas soltas, etc, como se essas pequenas alterações no sistema de exploração fossem a solução para o problema em si.

É claro que a maior parte da população não deixará de comer ovos ainda nessa década, nem é essa a concepção daqueles que defendem os direitos dos animais. Isso não quer dizer que os grupos de “proteção” animal tenham o direito de estabelecer quais ovos podem ou não ser consumidos, porque o que se espera de um grupo que de fato respeita os animais é que a mensagem seja sempre a de que é errado explora-los, não importa por quais meios.

Não se trata, então, de discutir se devemos ou não optar por uma legislação abolicionista: isso não é nem mesmo uma possibilidade prática atualmente. Note que não se está discutindo aqui o que é melhor para os animais a longo-prazo. Abolicionistas fundamentalistas e abolicionistas pragmáticos concordam nisso. A questão aqui é: o que é realmente melhor para eles a curto-prazo. Abolicionistas fundamentalistas e abolicionistas pragmáticos concordam (a longo-prazo) no que diz respeito ao propósito da abolição animal, mas discordam sobre o que é mais eficaz em termos de legislação (a curto-prazo) para atingir tal fim.

Gary Lawrence Francione, fundador da corrente abolicionista, disse ao extinto site pensataanimal.net:

“Os neobem-estaristas argumentam que, se quisermos ajudar os animais agora, não há outra escolha a não ser apoiarmos a regulamentação. Por exemplo, eles afirmam que a regulamentação, como aquela que visa substituir a produção de ovos em gaiolas de bateria convencionais pela produção em galpão, oferece a única estratégia realista para reduzir o sofrimento das galinhas poedeiras a curto prazo. E mais: os neobem-estaristas elogiam exploradores que adotam reformas bem-estaristas, dando prêmios a supermercados que vendem carnes e produtos animais “felizes”, e a planejadores de matadouros supostamente “humanitários”. Os neobem-estaristas patrocinam ou aprovam os selos de certificação “humanitária” que são colocados nas embalagens de certos produtos animais. Eles afirmam que a abolição é uma abordagem “utópica”, nada prática e sem nenhum plano concreto de ação. 

Os neobem-estaristas estão errados, tanto em matéria de teoria quando em matéria de estratégia prática. 

O postulado teórico básico da posição neobem-estarista é o de que regulamentar a exploração animal resulta em menos sofrimento animal e que devemos positivamente promover e elogiar a regulamentação. 

Embora seja sempre melhor causar menos dano do que mais, e mesmo se a regulamentação de fato reduzir o sofrimento (o que é de se duvidar), a posição neobem-estarista desvia do ponto moral fundamental. Se você decidir assassinar alguém, certamente é melhor você não torturar sua vítima antes de matá-la. Mas será que devemos dar prêmios a assassinos que não torturam suas vítimas? Será que devemos elogiar esses assassinos, chamando-os de “humanitários”? Claro que não. 

E os neobem-estaristas também estão errados ao alegar que as regulamentações do bem-estar animal proporcionam um tratamento significativamente melhor aos não-humanos explorados. As gaiolas de bateria convencionais para galinhas poedeiras são lugares horríveis; mas os galpões para galinhas poedeiras também são. 

[…] Essas “reformas” são iguais a colocarmos uma sala de televisão em um campo de concentração. O alívio de sofrimento é minúsculo, se comparado ao sofrimento total imposto às vítimas. O principal efeito dessas reformas é deixar a população mais à vontade quanto a continuar consumindo animais. E, ironicamente, isso pode, na verdade, aumentar o sofrimento total.”

Resumo dos argumentos de cada corrente*

Pragmatismo

  • De forma imediata reformas bem-estaristas não são mais prejudiciais aos animais do que reforma nenhuma.
  • Uma sociedade que aceita leis bem-estaristas está mais próximo da Libertação animal que uma sociedade que não tem lei nenhuma de proteção aos animais.
  • Querer promover o bem-estar dos animais explorados não implica estar concordando implicitamente com o uso deles.
  • Se uma sociedade e sua cultura é caracterizada pela insensibilidade aos animais ela não aceitará promover o veganismo e o abolicionismo, não havendo espaço democrático para esta ideia ela tende a ser ridicularizada.  Tendo essa atmosfera social desfavorável à abolição (a conjuntura social, política e jurídica sendo nula quanto a promulgação de leis que proíbam o uso dos animais em grande escala), uma norma bem-estarista não retarda ou impede a abolição; ao contrário, promove ela.
  • A indústria de exploração não acabará a curto-prazo – mudanças nas leis sempre ocorreram em passos conservadores -, enquanto isso não ocorre, é necessário pensar nos animais que estão existindo e sendo explorados. Está fora de cogitação salvarmos os animais de agora, pois isso demandaria muitos veganos, muito custo e violar diversas leis (mesmo que injustas) colocando em risco os ativistas.
  • O Bem-Estarismo por si só não é suficiente para causar a abolição da escravidão animal no futuro, mas a proteção de interesses, no mundo real da política e da economia, envolve negociação e progride em graus, portanto, é possível eliminar a exploração animal gradativamente.
  • Proposições bem- estaristas podem aproximar pessoas da posição abolicionista, isso tem ocorrido com muitos vegetarianos e com a própria literatura a favor do bem-estar dos animais, temos como exemplo o livro Libertação Animal de Peter Singer, que apesar de ser bem-estarista foi um primeiro passo para que posteriormente muitas pessoas se tornassem veganas. “o Bem-Estarismo cria um ambiente favorável na mentalidade das pessoas para que o Abolicionismo possa florescer como idéia moral.”
  • Dizer que normas de bem-estar animal não podem levar à abolição porque elas já existem a séculos e os animais vem sendo cada vez mais explorados é descontextualizar a sociedade da revolução industrial. Os animais sofrem mais porque o consumo aumentou de acordo com o aumento das industrias e do acesso aos bens, portanto, é uma correlação falsa associar isso as leis como se elas não fossem funcionais, haja visto que a conquista de direitos aos movimentos sociais (rumo a libertação humana) também foi e é gradual.
  • Se é exigido tudo ou nada para quem explora, nada será feito visto que não há interesse na mudança, assim aplicar o abolicionismo demandaria alguma espécie de revolução o que contraria o princípio de não-violência do próprio veganismo. “Freqüentemente pedindo o máximo, conseguimos menos que o mínimo.”
  • Regulamentações bem-estaristas demandariam mais custos do produtor o que aumentaria o preço dos produtos e isto iria desestimular o próprio consumo.
  • A noção de Direitos não é necessária para a defesa animal, a massa não lê sobre Direitos Animais. “a noção de direitos a ter direitos, ou de ter um direito a não ser propriedade de outrem, é muita mais complicada para o entendimento da média da população do que a idéia de que o sofrimento animal é um mal.Ademais, o conceito de direitos já está bastante desgastado no discurso público sobre direitos humanos.” “Somente quando alcançarmos um consenso público contra o especismo, do qual ainda estamos muito longe, aí, sim, será a hora apropriada para falar do direito do animal de não ser propriedade humana.”
  • Não se pode atribuir direitos legais aos animais que ainda não existem. Os únicos potenciais portadores de direitos legais a serem considerados por nós são aqueles que estão vivos neste momento.
  • A maioria da  população, imersas em suas culturas antropocêntricas e especistas não está preparada para aceitar o bem-estarismo, então estão muito menos preparadas para entender o veganismo. As pessoas tendem a não assimilar ideias abolicionistas (ditas radicais), de direitos animais ou mesmo de ética animal. Apesar do abolicionismo ser o correta, está sendo requerido no momento errado da história. É claro que pensadores a frente do seu tempo têm um papel vital em qualquer movimento ativista. Abolicionistas correm o risco de pensar o Direito Animal como coisa abstrata e pertinente a animais abstratos – em vez de algo a ser materializado no animal concreto e real, que, neste instante, ocupa alguma gaiola, em algum criadouro, em algum lugar do mundo. Direitos, embora constituam um ideal moral, não são os fins da ação ativista. Direitos são apenas meios. Os animais são fins em si mesmos. O alvo da ação moral deve ser o próprio indivíduo animal, não algum princípio. Ou seja, além de pensar nos problemas do futuro é preciso tentar resolver, na medida do possível, os problemas de agora para os animais de agora.
  • “Se uma organização ativista adotar a concepção abolicionista ela tende a ficar fora do jogo político, será considerada anti-democrática, tenderá a ser vista como radical – no sentido pejorativo – e não fará mudanças significativas para os animais que sofrem agora.

Abolicionismo

  • Leis bem-estaristas atrasam o processo abolicionista. Por exemplo, a repercussão da mídia sobre a proibição de gaiolas pequenas e o aumento do bem-estar animal não daria uma grande visibilidade à causa abolicionista, em vez disso, faria as pessoas consumirem animais sem se sentirem culpadas ou cruéis.
  • Não é porque as leis bem-estaristas não levam a abolição que elas devem ser rejeitadas e sim porque leis bem-estaristas levam a uma situação de conforto em relação à exploração animal.
  • Nenhuma norma que regulamente o uso de um animal protege este animal, ela protege o interesse do seu proprietário em explorá-lo.
  • Se alguém explora ou mata um indivíduo que têm interesse em não ser morto e explorado, essa pessoa não respeita este animal. Produtores de animais e leis bemestaristas não respeitam os animais, respeitam o tratamento do “produto/propriedade” para lhes dar lucro.
  • Leis bem-estaristas tendem a ser inúteis ou fúteis, porque não alteram o status de propriedade dos animais. Apenas os interesses dos seus proprietários são considerados, especialmente o interesse de explorar sua propriedade mais eficientemente, só não o são quando de fato há um método rigoroso de produção – que provavelmente poucas empresas seguem a fio – e constante fiscalização, exceções e não regras.
  • No senso comum a legislação é o que supostamente define o que é bom ou mal dentro de uma sociedade, mesmo quando seus valores são relativistas. Afirmar o bem-estarismo, portanto, é dar aval para que os exploradores animais acusem estar corretos ao explorar animais, pois o bem-estarismo apela à legislação e não a ética. Quando colocamos no papel leis injustas apenas para satisfazer a moralidade do contexto no qual estamos inseridos, corremos o risco de engessar o processo de evolução dessa moralidade. Leis injustas podem ser redigidas e representar algum ganho imediato a curto prazo, mas se elas não forem revogadas ou modificadas pouco tempo depois, sua existência coloca em risco o próprio processo que elas pretendem ajudar.
  • Nem sempre quando regulamentamos leis para atenuar o sofrimento de determinada classe que, de acordo com nossa moralidade, não goza de direitos, estamos agindo em benefício dessa classe. Como por exemplo acontece com o caso da Bíblia e do Alcorão que na época de suas criações regulamentaram alguns benefícios (direitos relativos) às mulheres e hoje acabam sendo usados para oprimí-las, o não reconhecimento do respeito aos direitos fundamentais e plenos das mulheres acabou saindo pela culatra.
  • Apoiar mudanças bem-estaristas muda paradgmas com o risco de estagná-los, ou seja ao legislarmos com base em moral e costumes, sem visar a justiça, tendemos a condenar a sociedade à imutabilidade de seus valores, por isso devemos optar sempre por um direito baseado na justiça ao invés de um direito consuetudinário e relativista moral.
  • É mais difícil criticar o estupro se ele obedecer às regras da sociedade. Por outro lado, criar uma lei artificial que proíbe o estupro nessa sociedade, sem que a sociedade esteja preparada para compreendê-la, sem que as autoridades concordem em fazê-la cumprir, também não faz nenhum sentido. Por esse motivo não devemos nos empenhar em aprovar leis de direitos animais que não condigam com a moral da sociedade em que vivemos, pois seriam legislações elaboradas para não serem cumpridas. E que efeito positivo podemos esperar de leis que não proíbem, mas regulamentam, costumes que pelo bom senso deveríamos considerar crimes? Falar que a “sociedade” condena algo, por si só, é um engano, porque essa condenação é teórica, não prática.
  • A falta de fiscalização não garante o bem-estar regulamentado aos animais seja cumprido. A regulamentação de algo pode banalizar ainda mais o consumo.
  • Se as condições de criação animal forem aliviadas ou atenuadas, mais pessoas irão consumir produtos animais, com a sua consciência moral mais leve, aumentando, assim, a exploração, as mortes e os sofrimentos.
  • Saber que animais são mortos em abatedouros, matadouros e frigoríficos deveria bastar para tornar as pessoas vegetarianas, mas quando o problema é desviado de seu cerne para a forma como é feito, isso tem o poder de influenciar negativamente as pessoas.
  • A maioria dos vegetarianos não são “firmes”, porque não fundamentaram suas escolhas em considerações referentes aos direitos animais. Um vegetariano que fez sua opção devido à yoga poderá voltar a comer carne quando parar de fazer yoga. Um que o faz pela saúde deixará de sê-lo quando novas pesquisas médicas mostrarem que a carne faz bem. Um que o é por influência de amigos deixará de sê-lo quando conhecer novos amigos. E aquele que o é porque certa vez se sensibilizou com a imagem de um animal sofrendo excessivamente deixará de sê-lo quando alguém lhe mostrar que nas fazendas x e y os animais não são criados daquela maneira. Portanto, é claro que reformas bem-estaristas atrasam o crescimento do vegetarianismo, especialmente no caso de vegetarianos recentes ou vegetarianos sem grande aprofundamento.
  • O aumento do bem-estar animal faria aumentar o número de animais abatidos, pois as pessoas se contentando com esta visão não iriam sentir necessidade de se tornarem veganas.
  • As regulamentações (leis) bem-estaristas já existem há cerca de duzentos anos e, ainda assim, estamos usando mais animais (não só devido ao crescimento populacional), e de maneira mais horrenda, os animais estão sendo cada vez mais descaracterizados como indivíduos e seu uso cada vez mais banalizado, assim dizer que o bem-estarismo tem trazido melhoras num panorama geral não é verdadeiro.
  • A revolução industrial permitiu a mecanização dos processos e isto aumentou a exploração animal, mesmo diante do bem-estarismo. O bem-estarismo está tentando consertar o que outro bem-estarismo propôs.
  • Num panorama geral o bem-estarismo pode melhora a condição de cada animal explorado reduzindo o sofrimento, mas também cria uma insensibilização e alienação de consumo, e não traz um resultado num quadro geral de libertação animal.
  • Não é porque aceitamos que animais são hoje produtos que não possamos trabalhar a educação para mostrar o contrário. Mas não podemos ao mesmo tempo educar as pessoas para o fato de que animais não são produtos e fazê-las consumir produtos certificados para tratamento humanitário porque isso sim seria confundi-las.
  • Não se vê ativistas pelos direitos animais protestando contra a instalação de sistemas de ventilação em granjas. Se protestos ocorrem contra as granjas, eles ocorrem apesar do sistema de ventilação ter sido instalado. O sistema de ventilação não agrava a situação das galinhas, não há porque se opor a ele. Por outro lado ele também não ameniza esse problema (ele pode amenizar, sob determinado ponto de vista e em caráter imediato, mas essa amenidade foge à discussão dos direitos animais). As críticas contra as bem-feitorias bem-estaristas são feitas quando elas são utilizadas para justificar ou para suavizar as criticas à exploração em si, em benefício dos exploradores.
  • Lutar por supostos “avanços” bem-estaristas, aplaudí-los, premiá-los e certificá-los, nada disso tem a ver com lutar pelos direitos animais, pelo contrário, incentivar esses sistemas não representa nenhum passo em uma direção boa, nem em direção à solução do problema.
  • O direito básico de não ser tratado como propriedade é um direito que não admite e não pode admitir graus. Não se deve negociar com a injustiça.
  • A luta pela abolição da exploração animal passa, necessariamente, pela desconstrução da autoridade moral de entidades que dizem cuidar dos interesses dos animais quando na verdade não o fazem.
  • Um “abolicionista” que defende ideias bem-estaristas é como um vegetariano que além de vegetais come também carne. Só será abolicionista em sua mente. Não importa o que a pessoa tenha em seu coração, em sua mente ou um discurso abolicionista, se ela defende e se comporta como bem-estarista ela é bem-estarista.
  • É bastante óbvio que reduzir é melhor que não fazer nada. Também é bastante óbvio que abolir é melhor que reduzir. O veganismo visa combater todo tipo de exploração, não é possível ser vegano pela metade, quando tratamos de direitos fundamentais não podemos requerer direitos parciais. Da mesma forma, para se apelar à defesa dos Direitos Animais não se pode ser relativista.
  • Leis bem-estaristas não tem o potencial de criar uma mentalidade e uma cultura compassiva na sociedade. Nenhuma lei tem tal potencial. As leis bem-estaristas surgem apenas porque tal mentalidade já existe em uma parcela importante da população.
  • Não é porque abolicionistas não se empenham em promover gaiolas maiores hoje que estão contrariando algum direito de movimentação das galinhas. Defensores dos direitos animais tem de reconhecer que isso nada tem a haver com o direito das galinhas, nem essa é uma luta dos defensores dos direitos animais.
  • O movimento de Direitos Animais está alicerçado em princípios morais e esse fato é que o estrutura e cria através da Educação Vegan não violenta e criativa a possibilidade real de mudança de paradigma de uma sociedade especista para uma sociedade que realmente reconhece e respeita o animal. Uma discussão que nem sequer almeja respeitar esses princípios morais, quando se trata de falar de ativismo de Direitos Animais, acaba se tornando estéril e improdutiva para o Movimento Abolicionista. No contexto humano qualquer discussão pode ser feita sobre os humanos, agora, se vamos discutir no Movimento de Direitos Humanos, sobre a violação de direitos, quando alguém sofre o estupro, esse assunto toma outra proporção, não é apenas uma discussão intelectual ou científica e é a maturidade dos ativistas de Direitos Humanos pertencentes a esse Movimento Social que irão determinar a conotação a ser dada a esse assunto, tendo como base os princípios básicos de Direitos Humanos como o da dignidade humana. Nenhum ativista dos Direitos Humanos com o mínimo de senso crítico irá se dispor a discutir se o ser senciente humano tem o valor da dignidade ou não, porque o Movimento de Direitos Humanos não se sustentaria enquanto Movimento Social se não houvesse esse reconhecimento e positivação desse e de outros valores morais que o compõe e que são interdependentes e dinâmicos entre si. Seria uma total perda de tempo e uma tentativa de distorção dos seus valores.

*Na formulação destes argumentos, além de ponderações do autor, foram utilizados textos base: para a corrente pragmática Bem-Estar Animal ou Libertação Animal?: Uma Análise Crítica da Argumentação AntiBem-Estarista de Gary Francionetexto do filósofo Carlos Naconecy e para a corrente Abolicionista os textos Em defesa dos direitos animais: Uma análise crítica da argumentação de um filósofo bem-estarista, do biólogo Sérgio Greif, e Falso Debate: Crítica ao neobem-estarismo e ao bem-estarismo, de Luís Martini, e também com ideias de Gary L. Francione.

Instituições

Algumas organizações com viés abolicionista são a Vegan Society, Animal Ethics, Vegan OutreachSociedade Vegana, Veddas, Instituto Abolicionista AnimalUnião Libertária Animal, Camaleão e com viés pragmático são Sociedade Vegetariana Brasileira, Mercy For Animals, Animal EqualityPeople for the Ethical Treatment of Animals (esta última declarou estar mudando seu posicionamento).

Resumo das características das correntes

  • O abolicionismo é integral, idealista, intransigente e tem caráter radical-revolucionário. O pensamento é: reformas tendem a estagnar a busca pelo ideal.
  • O pragmatismo é gradual, realista, pactual e tem caráter reformista. O pensamento é: de reforma em reforma alcançaremos a libertação.

Como vimos, ambos pensamentos desejam acelerar a erradicação da opressão contra dos seres sencientes e tem como fim sua total libertação, mas dissidem quanto a estratégia e métodos adotados para isso. Por não podemos prever o amanhã estas duas correntes do veganismo acabam por considerar seus argumentos como verdadeiros. Pode ser que a abolição das indústrias e ideias que massacram os animais ocorra mais rapidamente se os animais de hoje sofrerem mais e os veganos insistirem apenas no discurso abolicionista, mas a alternativa pragmática e algumas de suas  medidas pelo “bem-estar” dos animais também ficam em aberto. Não podemos saber ainda mas de fato pode uma delas estar mais correta que a outra, então fica a incógnita: o Bem-Estarismo de hoje, aliado a disseminação do veganismo, irá ajudar no alcance da abolição da exploração animal no futuro ou irá enfraquecer este ideal?


Carlos Naconecy, representante da corrente pragmática:

“Todos nós, animalistas, queremos a mesma coisa: acelerar a erradicação da opressão; maximizar a libertação total dos sencientes. Mas não parece correto olhar para os bilhões de animais em estado de miséria deplorável neste momento e pensar que, antes de fazer alguma coisa, deveremos perguntar: “Que bem minha ajuda a vocês fará para a causa abolicionista?”. Não parece correto esquecer as vítimas do martírio animal atual, abandonando-as à sua própria sorte, a menos que tenhamos certeza que nossa ajuda promoverá a abolição.” 

Sérgio Greif, representante da corrente abolicionista:

“Os animais são incapazes de pedir por seus direitos, mas se o pudessem certamente não pediriam jaulas maiores, água limpa, comida balanceada ou música ambiente. Eles pediriam para não serem submetidos aos nossos sistemas de exploração, não serem abatidos seja porque forma seja.”


Texto de autoria do ativista e designer Julio Cesar Prava, publicado em novembro de 2017, editado em agosto de 2019, inédito na vegpedia.