A Ética e a legitimação das ações
Em resumo a Ética é o campo na filosofia que aborda as escolhas mais coerentes em vista ao bem comum, isto incide em analisar escolhas e suas consequências em diversas situações. As consequências analisadas perpassam questões como sofrimento gerado, violação de interesses, egoísmo e altruísmo, e procura justificar as escolhas. A Ética, para além de qualquer legislação, se propõe a definir e legitimar o justo e o injusto, o bom e o mau, baseando-se em princípios de imparcialidade, universalidade e razoabilidade.
Primeiro, julgamentos morais devem ser apoiados por boas razões; e, segundo, a moralidade requer a consideração imparcial dos interesses individuais de cada um. (Introdução a Filosofia Moral, James Rachels)
Humanismo e animalismo
Novos tempos suscitam novas questões filosóficas e a Ética, apesar dos princípios ditos imparciais, se renova para resolver as novas questões, todavia há muitos filósofos este campo que detém ideologias que tiveram seus limites éticos superados, como é o caso do humanismo.
O humanismo detinha uma barreira ética que limitava as ponderações aos atos e consequências aos apenas aos humanos, ou seja, só pretendia justificar coisas entre melhores e piores a medida em que infringiam sofrimento e/ou violação a indivíduos da espécie humana, nesta perspectiva os animais eram irrelevantes e só serviam como meios para os interesses humanos, assim como o meio ambiente.
Com a evolução das ciências e das tecnologias alcançamos conhecimento e condições onde a nossa relação e tratamento com os animais, e seus interesses naturais – em serem livres, em viver, em não sofrer, em ser feliz -, podem ser revisadas. Eis que esta é uma nova questão ética. Na possibilidade de não tratarmos mais os animais como meros objetos para nossos fins, a Ética se expandiu, surgindo assim a Ética Animalista, que busca considerar todos animais que expressam os mesmos interesses fundamentais que há também nos animais humanos.
A Ética Animalista busca superar a Ética Humanista sem deixar de lado seu legado, seus princípios e acepções fundamentais, ela mantém os princípios que são imparciais e injustifica aqueles que eram relativistas. A Ética Animalista, incide em mudarmos a sociedade que limitou-se a leis humanistas, exige direitos animais e acabar com as práticas que instrumentalizem os animais humanos e não-humanos.
Pelos seus princípios próprios, a Ética mais válida é a Ética sempre mais abrangente e mais benéfica a todos os seres que expressam interesses comuns, ou seja, deve ser a justificada pelas semelhanças e não pelas diferenças exclusivas.Os humanos detém características exclusivas mas são também animais, fazem parte de um subgrupo, portanto parece razoável inferir que as características fundamentais são mais relevantes que as exclusivas. A excelente capacidade de raciocinar do ser humano deveria servir para fazê-lo entender a Ética e não para defender o mero egoísmo desnecessário, o que acontece na maioria das vezes.
Há muitos pensadores ainda que discursam e agem pela lógica antropocêntrica do humanismo, a maioria deles não considera relevante nossas ações diante dos animais de outras espécies, e inclusive debocham, daqueles que se adequaram a visão mais atual de respeito a eles, independente disto o estudo da filosofia da moralidade parece nos apontar que visões conservadoras, no que diz respeito a atos que envolvem vítimas, que podemos evitar não devem caber em nossas ações.
A ilegítima e a legítima sobrevivência
Assim como a legítima defesa é uma ação que permite violação de direitos por apelo a sobrevivência, ou seja, é um ato legitimo justificado por sobrevivência. Em contraponto, a violação de um indivíduo por motivos que não de sobrevivência como é o caso de estupros, latrocínios, homicídios, entre outros, são atos parciais e ilegítimos.
O consumo de animais atualmente pode ser descrito como ato legítimo ou ilegítimo a depender do caso. Nas sociedades contemporâneas há pessoas que vivem em condições bastante pobres e de fato dependem do consumo de animais para sobreviver – de forma imediata ou prolongada -, como é o caso de pessoas que vivem em regime de subsistência, no entanto há muitas outras que, por não estarem nesta condição, podem se abster das práticas de exploração animal.
Aqueles que não podem viver sem consumir animais – com o risco de doenças graves ou morte – tem como escolha fundamentada a legítima sobrevivência, todavia todos aqueles que podem tem uma fundamentação parcial, ilegítima e portanto anti-ética.
Devemos salientar que o ato de comer animais em si pode nutrir os humanos que são onívoros, todavia tal necessidade pode será suprida a base de plantas e com suplementação simples, o que possibilita uma escolha com menos dano (sofrimento, violência e morte).
Muitas pessoas que estão em condições boas acabam a apelar para casos de legítima sobrevivência para justificar uma ilegítima sobrevivência, nesta situação Ilegítima pois apesar de poder sobreviver consumindo animais não é um ato fundamental é imutável.
O problema desta ilegitimidade é que ela incorre em injustiça, a Ética que deve determinar injustiças, não o Estado ou a cultura pois estes são regimes que visam atender a grupos favorecidos. O Estado sempre visou assegurar direitos de forma parcial aqueles que estavam no poder, e isto quase sempre incorreu em injustiça, como foi o caso da escravidão, da subjugação por cor, sexo, orientação sexual ou outros.
Como visto, a Ética não deve justificar ações e relações como boas ou justas a partir dos interesses de uma só parte, e sim tentando considerar o máximo de indivíduos ou os menores danos possíveis, ela não é uma visão subjetivista, é um método de análise objetivo para ponderar limites as subjetividades, para ser justo um Estado ou lei deve ser imparcial, isonômico e ético tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, ou melhor dizendo, tratar os interesses semelhantes de forma semelhante (princípio de igual consideração de interesses semelhantes), devemos tomar os julgamentos morais sólidos não sendo baseados em interesse próprio ou de um grupo especial ou com mais poder.
Independente de poderem ou não fazer julgamentos morais, os animais podem ser considerados no campo moral pois vivemos em sociedades nas quais eles – com exceções, claro – não oferecem ameaça para nossa sobrevivência, inclusive são criados de forma intensiva e artificial o que torna a questão de violação aos seus interesses mais grave. Considerando que animais são indivíduos, ou seja, que expressam uma consciência de si, há comportamentos legítimos e ilegítimos, e tratá-los como propriedade e/ou consumi-los que não em caso de defesa justificada da própria vida é uma medida, atualmente, anti-ética.
Texto de autoria do ativista e designer Julio Cesar Prava, inédito na vegpedia.