Vivemos numa sociedade onde os animais estão a mercê da espécie humana, eles são explorados, tratados como coisas ou como seres inferiores e usados como produtos, isto incorre que grande parte deles (mais de 100 bilhões ao ano) são criados pelos humanos para serem explorados e/ou mortos. Libertação animal significa a busca que vai contra tal exploração, é a discordância de que os humanos devem fazer isto.
Libertação Animal = Abolição do uso de animais pelos humanos
A libertação animal é um movimento social que busca o fim da rígida distinção moral e jurídica estabelecida entre animais humanos e não humanos, o fim do status dos animais como propriedade e o fim do seu uso.
Este movimento atua basicamente por quatro frentes:
- Debate filosófico
- Desenvolvimento legal
- Intervenção educativa
- Ação direta
Na prática, a libertação animal implica em não termos animais explorados, presos e mortos para uso humano, por isso o veganismo é correlativo, e até sinônimo, da libertação animal.
Expansão da consciência moral
Entender a libertação animal exige o alagarmento dos nossos horizontes, uma ampliação da fronteira da consciência moral como o filósofo Carlos Naconecy diz em seu livro:
“Você provavelmente concorda que não devemos explorar, oprimir ou injustiçar as mulheres apenas porque elas são mulheres – o que seria machismo. Também não devemos explorar pessoas negras apenas porque elas são negras – o que seria racismo. Explorar um indivíduo porque ele pertence a uma espécie biológica diferente da nossa é um tipo de preconceito muito semelhante aos anteriores – e isso se chama “especismo”. Na prática, isso ocorre quando se abraça um preconceito contra animais só porque são animais. O especismo é uma forma de chauvinismo porque consiste no tratamento inferior, discriminatório e diferenciado por parte dos membros de uma classe privilegiada (a “superior”) daqueles indivíduos que estão fora dessa classe, e para o qual não há uma boa justificativa. De fato, o especismo poderia ser visto como eticamente pior que o racismo e o sexismo, porque os animais são menos capazes de se defender e os mais facilmente vitimizados, se comparados com a situação dos seres humanos oprimidos. Como todo chauvinista, o especista pensa que os animais só têm valor ou nos impõem obrigações éticas na medida que eles atendem nossos interesses, propósitos, necessidades e preferências.
A história do pensamento moral está associada ao progresso da civilização humana sob a forma de um círculo em expansão, ou de uma espiral de evolução da consciência moral. Em cada ponto de estacionamento dessa espiral, foi oferecida uma explicação semelhante: mulheres eram homens imperfeitos, indígenas eram subumanos, africanos não eram pessoas plenas, etc. Na história da humanidade, primeiramente foi assumido que somente algumas pessoas tinham direito à vida, à liberdade e a perseguir a sua própria forma de felicidade. As obrigações morais, reconhecidas inicialmente apenas em relação a homens da mesma tribo, alargaram-se com o decorrer dos séculos, para incluir nos seus limites escravos, membros de outras tribos, mulheres e crianças.”[1]
A conclusão deste pensamento nos diz que devemos alargar nossa moral exercitando a empatia, a fim de favorecer grupos que ainda não consideramos para que assim no futuro possamos ter uma sociedade com o mínimo de sofrimento, justa e igualitária.
O que dificulta que alcancemos a libertação animal?
É notável que a libertação humana já é considerada relevante na filosofia e na política. Como vimos exige-se e luta-se pela libertação de grupos prejudicados em larga escala, apela-se à não discriminação e subjugação dos negros, das mulheres, dos gays, dos transexuais, dos índios, dos pobres, dos deficientes e de muitos outros grupos que sofrem por serem discriminados moralmente a partir de características arbitrárias, porém a libertação animal ainda enfrenta impasses. Peter Singer, filósofo utilitarista, aborda a ideia de libertação animal em seu livro e relata alguns pontos que dificultam tal concepção:
“Em comparação com outros movimentos de libertação, o movimento de Libertação Animal apresenta várias dificuldades. A primeira, e mais óbvia, é o fato de os membros do grupo explorado não poderem, por eles mesmos, protestar de forma organizada contra o tratamento que recebem (embora possam protestar, e o façam o melhor que podem, individualmente). Temos de ser nós a falar em nome daqueles que não podem fazer isso por si próprios. É possível constatar a gravidade dessa dificuldade se perguntarmos a nós próprios quanto tempo teriam de ter esperado os negros pela igualdade de direitos se não tivessem sido capazes de falar por si mesmos e de exigir tal igualdade. Quanto menos um grupo for capaz de se tornar visível e de se organizar contra a opressão, mais facilmente será oprimido.
Ainda mais significativo para o futuro do movimento de Libertação Animal é o fato de quase todos os elementos do grupo opressor estarem diretamente relacionados com a opressão, considerando-se beneficiários desta. Efetivamente, existem poucos humanos capazes de considerar a opressão dos animais com o afastamento que tiveram, por exemplo, os brancos do Norte ao debaterem a instituição da escravatura nos estados do Sul da União. As pessoas que comem diariamente pedaços de seres não-humanos abatidos consideram difícil crer que estão a agir incorretamente; e também consideram difícil imaginar que outra coisa poderiam comer. Nesta questão, todos os que comem carne são parte interessada. Beneficiam-se – ou, pelo menos, julgam se beneficiar – da desconsideração atual dos interesses dos animais não-humanos. Isto torna a persuasão mais difícil. Quantos proprietários de escravos do Sul se convenceram com os argumentos avançados pelos abolicionistas do Norte, atualmente aceitos por quase todos nós? Alguns, mas não muitos. Posso pedir, e peço mesmo, que ponham de lado o seu interesse no consumo de carne ao considerarem os argumentos contidos neste livro, mas sei, de experiência própria, que mesmo com a melhor vontade do mundo isto não é fácil de se conseguir: subjacentes ao desejo momentâneo de comer carne numa ocasião particular, estão muitos anos de consumo habitual de carne que condicionaram a nossa atitude para com os animais.
Hábito. Esta é a barreira final que o movimento de Libertação Animal enfrenta. Hábitos não só dietéticos, mas também de pensamento e linguagem, que têm de ser postos em causa e alterados. Os hábitos de pensamento levam-nos a rejeitar as descrições de crueldade para com os animais, considerando-as emotivas e destinadas apenas a “amantes dos animais”; ou, se não isso, fazem-nos crer que, de qualquer forma, o problema é tão trivial em comparação com os problemas enfrentados pelos seres humanos que nenhuma pessoa sensata gastaria com ele tempo e atenção. Também isto é um preconceito – pois como se pode saber que um problema é trivial até se ter despendido algum tempo a analisar a sua dimensão? Embora, por forma a permitir um tratamento mais completo, este livro trate de apenas duas das muitas áreas em que os humanos provocam sofrimento aos outros animais, não creio que qualquer pessoa que o leia até ao fim fique a pensar que os únicos problemas que merecem tempo e energia são os problemas que dizem respeito aos humanos.”[2]
Texto de autoria do ativista e designer Julio Cesar Prava, inédito na vegpedia.
Referências:
[1] Carlos Naconecy. Em Ética & Animais: Um guia de argumentação filosófica, 2006.
[2] Peter Singer. Em Libertação Animal, 1975.