Em 1949, o ativista pelos animais Leslie J. Cross, preocupado com as diversas definições que as pessoas estavam dando ao termo veganismo e com a consequência disso gerar confusão sobre o ideal do movimento e tirar sua credibilidade, propôs uma definição objetiva:
“(Veganismo é) o princípio da emancipação dos animais pela exploração do ser humano.”[1]
Atualmente, a Vegan Society, primeira instituição vegana do mundo, criada por Donald Watson em 1944, da qual Leslie J. Cross foi membro, tem uma definição ainda mais clara:
“O veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e de crueldade contra animais, seja para a alimentação, para o vestuário ou para qualquer outra finalidade. Dos veganos junk food aos veganos crudívoros – e todos mais entre eles – há uma versão do veganismo para todos os gostos. No entanto, uma coisa que todos os veganos tem em comum é uma dieta baseada em vegetais, livre de todos os alimentos de origem animal, como: carne, laticínios, ovos e mel, bem como produtos como o couro e qualquer produto testado em animais.”[1]
Já para a Sociedade Vegana, organização brasileira que luta pelos direitos animais, a definição é:
“Veganismo é o modo de vida que busca eliminar toda e qualquer forma de exploração animal, não apenas na alimentação, mas também no vestuário, em testes, na composição de produtos diversos, no trabalho, no entretenimento e no comércio. Veganos opõem-se, obviamente, à caça e à pesca, ao uso de animais em rituais religiosos, bem como a qualquer outro uso que se faça de animais.”[2]
Alguns ativistas têm requerido uma definição mais politizada do veganismo onde seja embutido o ativismo pelos animais com um imperativo moral para educar os outros sobre a exploração animal, onde:
“O veganismo é um modo de vida que procura excluir todas as formas de exploração de animais não humanos, que se estende além das considerações dietéticas para evitar todas as formas de abuso animal, incluindo danos aos seus habitats naturais. Inclui o dever moral de se opor ativamente a todas as formas de exploração animal e encorajar e educar os outros a se tornarem veganos, com o objetivo principal de erradicar o especismo.”[3]
Também numa definição menos individualista e mais sistêmica, feita por Sandra Guimarães, ele é descrito como:
“[…]uma postura política que rejeita a objetificação e mercantilização de animais e se compromete com a luta por abolição da exploração animal.”[4]
E em outra feita por anarquistas:
“[…]a abstinência consciente de ações que contribuem, direta ou indiretamente, para o sofrimento de seres sencientes, sejam eles animais ou humanos, por razões éticas.”[5]
O veganismo também pode ser visto como:
Uma postura ética de não exploração e busca do bem-estar dos seres sencientes em lugares ou sociedades em que não há mais necessidade disto para sobrevivência.
O veganismo, portanto, é uma concepção filosófica e prática pois inclui os animais na esfera de consideração moral (se opondo ao antropocentrismo moral e ao especismo), não é um ato individualista de saúde, de modismo para ser aceito socialmente, de religião para não sofrer punições divinas ou mesmo pelo meio ambiente, todos estes aspectos são importantes para as pessoas e por vezes são usados como argumentos, porém não são a questão principal no que diz respeito ao veganismo, que é sinônimo de libertação animal e de ética e não de dieta, saúde ou religião. Os veganos, não só excluem todos os produtos provindos diretamente de animais como também recusam aqueles obtidos da exploração da força de trabalho dos animais, como o mel, por exemplo.
Apesar de existirem inúmeras razões e motivações que levam as pessoas a deixar de consumir produtos animais e derivados, atualmente, o veganismo é pautado pelo princípio da abolição da exploração animal, ou seja, é sinônimo de libertação animal e de ética e não de dieta, saúde, religião ou outra causa ou corrente política. Apesar de serem atreladas como coadjuvantes e usadas como aliadas, qualquer coisa que vá além da ideia de libertação animal não é intrinsecamente ligada ao veganismo, assim o veganismo pode se fazer presente em diversas ideologias desde que sejam devidamente respeitados todos seres sencientes.
O veganismo, é uma percepção e uma escolha, ambos de ordem moral, de ser contra o uso e assassinato de animais. Para ser vegano é preciso entender e apoiar que os animais sencientes – inclui-se humanos – não devem usados pelos humanos nem tratados como propriedades ou coisas, eles não podem ser prejudicados como meios aos interesses egoístas humanos, pois são fins em si mesmo, e consequentemente é preciso considerar que eles têm direitos intrínsecos e inalienáveis. Assim o veganismo é um movimento que vai contra a visão moral, cultura e as normas sociais estabelecidas há milhares de anos, e se opõe a esmagadora maioria dos partidos políticos, indústrias e empresas. Mesmo diante deste cenário o número de adeptos do veganismo vem crescendo exponencialmente.
Por vezes chama-se erroneamente o veganismo de dieta. O veganismo como visto acima é por definição uma visão política e filosófica que preza pelo respeito e pela libertação de todos animais que detenham senciência – capacidade de ser prejudicado e beneficiado, sentir sensações e sentimentos de forma consciente, ou seja, para ser vegano é preciso ser contra o sofrimento, morte e assassinato dos seres sencientes. Tal visão colocada em prática demanda um estilo de vida, de consumo e uma dieta, a vegetariana estrita, que não provém de produtos de origem animal ou de exploração de animais.
Lembre-se: todo vegano é vegetariano, mas nem todo vegetariano é vegano.
O veganismo expressa uma lógica bastante clara, é uma visão ética. Veganos reunidos no I Congresso Mundial de Bioética e Direito Animal, realizado nos dias 08 a 11 de outubro de 2008, na cidade de Salvador, Bahia, afirmam os valores que veganos adotam[7]:
- Todo animal tem valor intrínseco, com direitos fundamentais à vida, à liberdade, à integridade físico-psíquica e ao de não ser propriedade.
- Qualquer violação destes direitos é incompatível com os princípios da ética;
- A abolição de toda forma de uso e exploração de animais, tais como: alimentação, experimentação científica, entretenimento, vestimenta, comércio, caça e qualquer outra prática que viole os direitos fundamentais acima citados.
- O reconhecimento dos animais como sujeitos de direito e o repúdio a todas as formas de discriminação, violência e maleficência.
- O veganismo, que é a recusa ao consumo de produtos de origem animal ou advindos da sua exploração (a partir dos motivos acima).
A lógica do veganismo é também baseada no princípio de igual consideração de interesses semelhantes, onde:
“Se o indivíduo (A) possui um interesse e o indivíduo (B) possui o mesmo interesse, ou um interesse razoavelmente semelhante, os interesses de ambos os indivíduos devem ser tomados como similares, a menos que exista uma boa razão para não fazê-lo.”[6]
O princípio da igual consideração de interesses semelhantes, como defende o filósofo e professor de Direito Gary L. Francione nos diz que:
“os julgamentos morais sólidos devem ser universais, e não podem ser baseados em interesse próprio ou interesses de um grupo ‘especial’ ou da ‘elite’.”[6]
O que pode ser dito como bom motivo para violação deste princípio é o perigo de morte, como um confronto em que um animal oferece risco à alguém ou quando um sujeito vive em um lugar onde não há alternativas de sobrevivência sem o consumo de produtos animais, como é o caso de quem se encontra em regime de subsistência. Apelo a tradição, religião e cultura tem embasamentos em argumentos imparciais e relativistas, desconsiderando o interesse dos animais sencientes, e não conseguem violar princípios éticos elementares com este.
Assim, devem ser respeitados os direitos daqueles seres que possuem interesses semelhantes aos dos humanos como:
“A continuidade da própria vida, a liberdade e autonomia para buscar melhores meios para sua sobrevivência e bem estar e o interesse de não serem utilizados como recursos ou meios para fins humanos, tendo sua existência em si mesma.”[2]
Os veganos lutam contra a instrumentalização dos animais, porque, para eles, os animais são fins em si mesmos, assim eles defendem uma vida digna para eles e os Direitos Animais, ou seja, que os animais não-humanos tenham resguardados o direito à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à socialização e também o direito de não serem tratados como propriedade.
Lembre-se: todo antiespecista precisa ser vegano, mas nem todo vegano é antiespecista.
As definições de veganismo, dizem que é adepto do veganismo quem se abstém da exploração animal, ou seja, quem deixa de participar de atos humanos que causem prejuízos aos animais na medida do possível e praticável, todavia, não especificam sobre a luta contra o sofrimento dos seres sencientes em geral — como o provindo de causas naturais. Portanto, para uma pessoa ser vegana ela precisa ter como visão de mundo que é errado humanos causarem danos aos animais mas não é necessário pensar que é errado os animais sofrerem de danos naturais. Na prática é preciso apenas abrir mão da sua parte na exploração animal.
Em questão de efetividade em evitar o sofrimento dos animais, os veganos estão longe do ideal. Isto porque, um vegano não é necessariamente um antiespecista, porque o veganismo ignora o sofrimento da maioria esmagadora dos outros animais que estão na natureza, portanto, a eficiência/eficácia é questionável.
O veganismo exige o consumismo ético considerando os animais, mas não coloca todos animais em jogo porque muitos não estão inclusos no consumismo. Se reconhecemos o valor de todos os seres sencientes, é necessário expandirmos e aprimorarmos a definição de veganismo para além dos nossos atos, incluindo também as nossas omissões, e abarcar também a proteção dos animais que vivem livres na natureza, afinal, para os animais, não faz diferença se fomos nós que provocamos o dano à eles ou não.
Se desejamos dizer que somos favoráveis à eliminar todo sofrimento dos seres sencientes podemos nos nomear como sencientistas, eticistas centrados na senciência ou dizermos que somos antiespecistas, não apenas veganos. Então, devemos fazer nossas escolhas (entre ações e abstenções) de forma que beneficiem mais seres sencientes e em maior nível e deixar de fazê-las se os prejudicam e em menor nível.
Veja também: Contra o que os veganos lutam
Texto de autoria do ativista e designer Julio Cesar Prava, publicado em 2017, inédito na vegpedia. Atualizado em outubro de 2022.
Referências:
[1] Definition of Veganism. Vegan Society. Em: https://www.vegansociety.com/go-vegan/definition-veganism
[2] Veganismo. Sociedade Vegana. Em: http://sociedadevegana.org/textos-fundamentais/veganismo
[3] Animal Liberation Front Founder Proposes New Definition Of Veganism. Em: https://www.plantbasednews.org/post/animal-liberation-front-founder-proposes-new-definition-veganism
[4] Todas as opressões estão conectadas. Veganismo é uma extensão lógica da luta anti-opressão. Em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2018/04/todas-as-opressoes-estao-conectadas-veganismo-e-uma-extensao-logica-da-luta-anti-opressao
[5] Libertação Animal e Revolução Social: uma perspectiva vegana sobre o anarquismo ou uma perspectiva anarquista sobre o veganismo. Em https://vegpedia.com/textos-fundamentais/libertacao-animal-e-revolucao-social
[6] Animais Como Pessoas: A abordagem abolicionista de Gary L. Francione. Gabriel Garmendia da Trindade. Em https://books.google.com.br/books?id=wJqVBAAAQBAJ
[7] Manifesto Abolicionista. Grupo Abolicionista. Em: https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/10471
Veja também dois vídeos com a definição: