Primeira parte do Dossiê: A pecuária no Brasil: poder, discurso e publicidade
PODER ECONÔMICO E POLÍTICO
A primeira parte ressalta o poder econômico e social-político da pecuária e da indústria dos laticínios, no Brasil e no mundo.
- O poder econômico da pecuária e da indústria de laticínios no Brasil
- O poder político da pecuária e da indústria de laticínios no Brasil
- Dados sobre e a concentração de terras e a desigualdade no Brasil rural
- Dados sobre a indústria dos laticínios no Brasil e no Mundo
O agronegócio, que engloba toda cadeia produtiva e de comércio de produtos da agricultura como alimentos, fibras e bioenergia, é responsável por cerca de um quarto do PIB nacional[1]. Essa cadeia vai da produção de plantas e animais, e da manipulação genética de ambos, dos adubos, rações e do maquinário, terminando na venda e consumo de seus produtos finais.
Dentro do agronegócio, também chamado “agro”, há a agropecuária – ou só pecuária -, responsável pela criação, exploração e comercialização de animais e de seus produtos. A agropecuária é demarcada pela pecuária industrial-intensiva e extensiva-familiar, sendo a pecuária intensiva a que cria com alta-tecnologia, confinamento e métodos industriais e a pecuária familiar a semi-confinamento, baixo número de animais e pouca mecanização na produção.
A agropecuária é um setor economicamente forte e exerce grande poder social. Em 2016, o país tinha um rebanho de bovinos de 218,23 milhões de cabeças, maior que o número de habitantes, e um aumento de 1,4% em comparação com o ano anterior[2]. Já em 2017, no país havia mais de 2 milhões e 500 mil estabelecimentos agropecuários com bovinos e o número de animais maior que 171,8 milhões[3]. A população brasileira no mesmo ano era de 207,7 milhões[4], ou seja, o número de bovinos equivalia a quase 83% do número de humanos. Pensando nisto podemos concluir que a fome no Brasil não é um problema por falta de riqueza, e sim por concentração dela, haja visto que investe-se na alimentação de milhões de animais para comercializar produtos provindos de sua exploração, como é o caso da carne e leite e os derivados de ambos.
A JBS, dona é uma das maiores empresas de processamento de alimentos do mundo e em 2017 teve uma receita de 163,2 bilhões de reais[5]. Apesar de viver uma crise por estar envolvida em grandes esquemas de corrupção na política brasileira[6], a dona de marcas como Friboi, Seara e Swift, domina o mercado brasileiro e bombardeia o brasileiro com propaganda nos principais meios de comunicação. A BRF, outra gigantesca do ramo com obteve receita de 39,3 bilhões de reais[7], têm em seu portfólio 30 marcas, entre elas, Sadia, Perdigão e Qualy, é também dominante na publicidade brasileira do segmento.
A indústria dos laticínios é um subsetor da pecuária. Apesar de indústria de laticínios no Brasil ser mais fragmentada e concorrencial ela também é bastante poderosa. No país, que é o 4° maior produtor de leite no mundo, seu faturamento em 2017 foi de R$ 70,2 bilhões[8]. Na indústria de alimentos, o setor só perdeu para a indústria da carne e derivados.
Números de animais explorados pela Pecuária no Brasil[9]
Animal | Cabeças | Estabelecimentos |
Galináceos | 1.453.644.824 | 2.846.603 |
Bovinos | 171.858.168 | 2.521.249 |
Suínos | 39.176.271 | 1.445.363 |
Codornas | 14.843.741 | 17.622 |
Perus | 15.636.822 | 82.591 |
Ovinos | 13.770.906 | 511.768 |
Caprinos | 8.254.561 | 326.166 |
Equinos | 4.218.896 | 1.165.985 |
Patos, gansos, marrecos, perdizes e faisões | 3.777.849 | 250.282 |
Bubalinos | 948.103 | 14.728 |
Muares | 611.872 | 281.240 |
Asininos | 376.884 | 237.489 |
Avestruzes | 13.819 | 1.018 |
Total | 1.727.132.716 | 9.702.104 |
*números de animais criados de forma clandestina não são contabilizados
Outros Números da Pecuária no Brasil[3]
- Número de cabeças de vacas reprodutoras (2 anos e mais) nos estabelecimentos agropecuários (Cabeças): 59.355.824
- Vacas ordenhadas no ano nos estabelecimentos agropecuários (Cabeças): 11.990.450
- Quantidade produzida de leite de vaca no ano nos estabelecimentos agropecuários (Mil litros): 30.114.345
- Quantidade vendida no ano de leite de vaca cru nos estabelecimentos agropecuários (Mil litros): 26.590.813
- Área de pastagens nos estabelecimentos agropecuários (Hectares): 149.670.217
O poder político da pecuária e da indústria de laticínios no Brasil
A pecuária exerce no Brasil forte influência política, tendo no congresso nacional uma bancada que conta com 261 membros, sendo eles 27 senadores e 234 deputados[10]. Esta bancada é popularmente conhecida como Bancada Ruralista e auto-nomeada Frente Parlamentar da Agropecuária. A maioria deste grupo de políticos faz lobbying na defesa dos interesses do lucro dos pecuaristas, se opondo muitas vezes a medidas ambientais.
Em 2018, representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com interesse em expansão de terras pediram suspensão dos processos de demarcação de terras indígenas e quilombolas da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, adotada pelo governo brasileiro a partir de 2007[12].
As ações de ativistas pela defesa dos animais, como as contra rodeios, contra vaquejadas, pela proibição da caça, da exportação de animais vivos e da comercialização de foie grás, enfrentam grandes dificuldades.[13]
Em meio a crise econômica que o país passa, o agronegócio tem se fortalecido ainda mais e o desmatamento teve aceleração[14], algo que provavelmente tem correlação por conta do papel prejudicial que a pecuária exerce para o meio ambiente. Em 2016, mais de 80% do desmatamento no Brasil foi associado com pastagem para gado [15] em relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O último presidente, Michel Temer, que assumiu após Impeachment da presidenta Dilma Rousseff, tem favorecido ainda mais os pecuaristas[16].
Dos 173 deputados federais que respondem por crimes, 43% são ruralistas[17]. Além dos diversos escândalos de corrupção, o setor pecuário está envolvido diretamente em relatos de más condições de trabalho e trabalho análogo à escravidão, tendo feito nos últimos 15 anos mais de 6 mil vítimas.[18][19][20]
Apesar da principal responsável pela comida que chega às mesas das famílias brasileiras ser a agricultura familiar, produzindo 70% dos alimentos consumidos[11], o poder político e econômico é concentrado na mão de grandes latifundiários. Segundo a OXFAM, “A desigualdade extrema tem múltiplas origens e traz sérias consequências negativas para a garantia de direitos e o desenvolvimento sustentável. Entre suas causas estruturais está a concentração da terra, um fator de preocupação na América Latina e, em especial, no Brasil. A concentração da terra está ligada ao êxodo rural, à captura de recursos naturais e bens comuns, à degradação do meio ambiente e à formação de uma poderosa elite associada a um modelo agrícola baseado no latifúndio de monocultivo, voltado à produção de commodities para exportação e não para a produção de alimentos.”[22]
Ainda segundo a OXFAM: “A atuação da Bancada Ruralista contra direitos, contra a reforma agrária e contra os movimentos sociais do campo é histórica. Mas, a partir de 2003, ela passou a assumir papel preponderante na criminalização de reivindicações sociais e bandeiras de lutas.”[22]
Dados sobre e a concentração de terras e a desigualdade no Brasil rural[22], 2006
- Os grandes estabelecimentos somam apenas 0,91% do total dos estabelecimentos rurais brasileiros, mas concentram 45% de toda a área rural do país.
- Os estabelecimentos com área inferior a 10 hectares representam mais de 47% do total de estabelecimentos do país, mas ocupam menos de 2,3% da área total.\
- Há três décadas o índice de concentração de terras tem se elevado gradativamente no Brasil. Das 27 Unidades da Federação, apenas nove apresentaram queda nesse índice.
- São os homens que controlam a maior parte dos estabelecimentos rurais e estão à frente dos imóveis com maior área: eles possuem 87,32% de todos estabelecimentos, que representam 94,5% de todas as áreas rurais brasileiras.
- As mulheres representam quase o dobro do número de produtores rurais sem posse da terra em comparação aos homens – 8,1% frente a 4,5%, respectivamente.
- A desigualdade também se dá na distribuição dos valores dentro das classes de área. Os estabelecimentos de 1.000 hectares ou mais concentraram, em 2006, 44,10% do crédito rural, enquanto 80% dos menores estabelecimentos obtiveram entre 13,18% e 23,44%. A origem de tal discrepância está no valor médio dos financiamentos obtidos. Enquanto o valor financiado nas classes de áreas menores de 20 hectares não chega a R$ 10 mil, e nas classes de 20 a menos de 100 hectares não passe de R$ 20 mil, na classe dos estabelecimentos a partir de 2.500 hectares o valor médio chega a mais de R$ 1,9 milhões.
- Desigualdade no acesso ao crédito agrícola: as grandes propriedades rurais, com mais de 1.000 hectares, concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos menores estabelecimentos, esse percentual varia entre 13% e 23%.
- Apenas 8,9% dos estabelecimentos que acessam financiamentos conseguem cerca de 70% dos recursos.
Dados sobre a indústria dos laticínios no Brasil e no Mundo[8]
- O Brasil é o quarto maior produtor mundial de leite, com 35,1 bilhões de litros/ano.
- O consumo per capita de leite do brasileiro é de 60 litros/habitante/ano, já o de produtos lácteos é de 173 litros/habitante/ano.
- O país produziu 35,1 bilhões de litros de leite em 2017. Em quatro décadas, produção nacional quadruplicou, passando de 7,1 bilhões para mais de 35,1 bilhões de litros de leite.
- Houve uma queda na produção de leite por dois anos consecutivos 2015 e 2016, com melhora em 2017. Em 2015 o recuo foi de 2,8% em relação a 2014 e em 2016 o recuo foi de 3,7% em relação ao ano anterior.
- O faturamento em 2017 de R$ 70,2 bilhões para a indústria de laticínios no país, crescimento de 4% em relação ao ano anterior. O setor fica atrás apenas do faturamento obtido com derivados da carne e à frente dos segmentos de beneficiamento de café, chá, cereais e de açúcares.
- 70% da população mundial (cerca de 5,2 bilhões de pessoas) têm algum nível de intolerância à lactose. No Brasil, o índice varia de 35% a 61%, o que representa entre 50 milhões e 120 milhões.
- O estado líder no leite é Minas Gerais, com quase 9 bilhões de litros por ano, 27% do total nacional, seguido por Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
- Em 2017 o Brasil tinha 1,1 milhões de produtores de leite e 4 milhões de trabalhadores envolvidos com a atividade leiteira.
- O valor bruto da produção de leite no Brasil em 2017 foi de R$28,9 bilhões.
- O número de vacas em ordenha no país girou em torno de 18,6 milhões/cab em 2017.
- O Brasil insemina 6,23% das fêmeas leiteiras. Foram utilizadas (produção nacional e importação) 4.291.711 doses de sêmen em 2017.
- Em 2017 as 100 maiores fazendas leiteiras no Brasil cresceram em produtividade 10,4% em relação a 2016.
- Brasil produz 1 milhão de toneladas de queijo. Muçarela lidera e consumo per capita é de 5,5 quilos/hab/ano.
- Brasil tem cerca de 10 milhões de caprinos com consumo de leite per capita de 1,2 kg/hab/ano.
- A balança comercial de lácteos quase sempre foi deficitária no Brasil, com exceção de cinco anos (2004 a 2008), ou seja, o país tem importado mais que exportado.
- Em 2017, o país importou 169 mil toneladas de equivalente leite em 2017 e exportou 38 mil toneladas. Com isso, o país fechou o ano com déficit de mais de US$ 450 milhões na balança comercial.
- Brasil compra, todos os anos, em torno de US$ 500 milhões em produtos lácteos da Argentina e Uruguai, que têm o nosso país como principal importador.
- O consumo de lácteos per capita no Brasil é de 173 litros; na Argentina, 200 litros; no Uruguai, 239 litros.
- A atividade leiteira no Brasil segue a mesma tendência mundial, que é de crescimento da produção e da produtividade, com redução do número de fazendas produtoras e aumento do número de animais em produção por sistema, ou seja, mais pecuária intensiva e confinamento de animais.
- A produção mundial de leite em 2016 foi de 798 milhões de t. Desse volume, 83% foram de leite de vaca, 14% de búfala, 2% de cabra, 1% de ovelha e de camela menos de 1% do total.
- No âmbito do mercado internacional, os anos de 2015 e 2016 foram de preços de leite em patamares baixos historicamente.
- Europa e Ásia produzem dois terços de leite no mundo (67,5%); os Estados Unidos é o país de maior produtividade (média de lactação de 9.900 kg/vaca e produção de 92,28 milhões t em 2016).
Consumo de carne e leite
Em 2009, no Brasil o consumo de laticínios por indivíduo era superior à dos outros grupos de alimentos, só ficando atrás de bebidas e infusões.[22]

Produção (mi t) de leite de vaca e de búfala nos continentes (2016)
continente | leite de vaca | leite de búfala | % leite de vaca | % leite do total |
Ásia | 195,7 | 108,6 | 64,3 | 39,5 |
Europa | 215,7 | 0,2 | 99,9 | 28,0 |
América | 181,6 | – | 100,0 | 23,6 |
África | 37,7 | 2,2 | 94,5 | 5,2 |
Oceania | 28,5 | – | 100,0 | 3,7 |
Total | 659,2 | 111,0 | 85,6 | 100 |
Maiores empresas de laticínios do mundo (2017)
Posição | Empresa | País de Origem |
1 | Nestlé | Suiça |
2 | Danone | França |
3 | Lactalis | França |
4 | Fonterra | Nova Zelândia |
5 | FrieslandCampina | Holanda |
6 | Dairy Farmers of America | Estados Unidos |
7 | Arla Foods | Dinamarca / Suíça |
8 | Saputo | Canadá |
9 | Dean Foods | Estados Unidos |
10 | Yili | China |
Maiores empresas de laticínios do Brasil (2017)
Posição | Empresas/Marcas | Recepção Leite (mil litros) |
1 | Nestlé | 1.694.400 |
2 | Laticínios Bela Vista | 1.322.328 |
3 | Unium (3) | 1.139.657 |
4 | CCPR/Itambé | 995.653 |
5 | Embaré | 569.285 |
6 | Aurora | 488.000 |
7 | CCGL | 439.073 |
8 | Jussara | 394.732 |
9 | Danone | 378.651 |
10 | Vigor | 312.675 |
11 | DPA Brasil | 246.438 |
12 | Centroleite | 217.851 |
13 | Frimesa | 214.313 |
14 | Confepar/Cativa | 192.104 |
Maiores fazendas de leite do Brasil (2016/2017)
POS. 2017 | POS. 2018 | NOME DO PRODUTOR/GRUPO | PRODUÇÃO TOTAL COMERCIALIZADA EM 2017 (EM LITROS) | PRODUÇÃO MÉDIA DIÁRIA (EM LITROS) | CIDADE | UF |
1 | 1 | FAZENDA COLORADO | 24.688.532 | 67.640 | ARARAS | SP |
2 | 2 | OROSTRATO OLAVO SILVA BARBOSA – ESPÓLIO | 24.037.312 | 65.856 | TAPIRATIBA | SP |
3 | 3 | AGRINDUS | 21.005.856 | 57.550 | DESCALVADO | SP |
4 | 4 | SEKITA AGRONEGÓCIOS | 19.051.554 | 52.196 | SÃO GOTARDO | MG |
5 | 5 | ANTONIO CARLOS PEREIRA E FILHOS | 15.031.425 | 41.182 | CARMO DO RIO CLARO | MG |
8 | 6 | TRUE TYPE – HUGUETTE GUARANI | 14.519.951 | 39.781 | INHAÚMA | MG |
9 | 7 | MELKSTAD AGROPECUÁRIA | 13.759.177 | 37.696 | CARAMBEÍ | PR |
7 | 8 | COMPANHIA DE ALIMENTOS DO NORDESTE – CIALNE | 13.520.695 | 37.043 | FORTALEZA | CE |
6 | 9 | ALBERTUS FREIDERICH WOLTERS | 12.814.008 | 35.107 | CASTRO | PR |
– | 10 | HANS JAN GROENWOLD | 11.542.450 | 31.623 | CASTRO | PR |
15 | 11 | MARVIN E MARCOS EPP | 11.523.052 | 31.570 | PALMEIRA | PR |
13 | 12 | GRUPO CABO VERDE | 11.380.952 | 31.181 | PASSOS | MG |
11 | 13 | ESPERANÇA AGROPECUÁRIA | 11.205.604 | 30.700 | MADALENA / RUSSAS | CE |
12 | 14 | GRUPO KIWI | 11.043.574 | 30.256 | SILVANIA / GAMELEIRA DE GOIÁS | GO |
10 | 15 | LUÍS PRATA GIRÃO | 10.467.825 | 28.679 | LIMOEIRO DO NORTE | CE |
14 | 16 | AGROPECUÁRIA PALMA | 9.974.168 | 27.326 | LUZIÂNIA | GO |
33 | 17 | LUIZ CARLOS FIGUEIREDO | 9.338.160 | 25.584 | CRISTALINA | GO |
19 | 18 | MAURICIO V. DE CASTRO GREIDANUS | 9.263.417 | 25.379 | CARAMBEÍ | PR |
17 | 19 | RAUL ANSELMO RANDON | 8.957.990 | 24.542 | VACARIA | RS |
22 | 20 | RAUL ANSELMO RANDON | 8.565.058 | 23.466 | MARTINHO CAMPOS | MS |